A carreira de Xuxa é tão sólida e tão cheia de êxitos que não seria exagero se seu
nome realmente existisse no dicionário vinculado
à palavra “sucesso”. Afinal, está lá (entre outros significados): “pessoa ou coisa vitoriosa, de grande
popularidade”. Quem contesta?
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Quando o sucesso vira XUXEXO (E quem diria que um trocadilho assim prejudicaria o sucesso de um produto?) |
Antes que alguém use também o dicionário para nos apontar o verbete de “fanático”, vamos mostrar mais um motivo pelo qual a loira devia estar, sim, no dicionário... literalmente!
No ano de 1987, quando se tornou
imbatível no licenciamento de produtos, Xuxa lançou desde bonecas, álbuns,
jogos, calçados até dicionário. Sim, o Dicionário
da Xuxa completou 30 anos de existência e, infelizmente, se tornou o
produto mais injustiçado da loira.
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Dicionário da Xuxa: o primeiro lançamento voltado à área educacional e injustiçado por conta de boatos |
Lançado no final de agosto de
1987, pela EBS – Editora Biologia e
Saúde, o Dicionário já era um produto esperado. Em março do mesmo ano, o jornal
O Globo já anunciava: “muitas novidades foram prometidas por Xuxa
para este ano: ela fará um filme infantil (...), lançará o Dicionário
Ilustrado, uma botinha de amarrar e um álbum de figurinhas pela Editora Globo”.
A EBS uniu o útil ao agradável:
queria lançar um dicionário infantil e viu em Xuxa a melhor associação:
Já é tempo de elas (as crianças) aprenderem a consultar dicionários, mas elas não devem procurar um dicionário comum. Isso levou nossa editora a elaborar um dicionário para crianças – um dicionário em que se respeita a individualidade infantil como um valor substantivo. (...) Demos grande importância à parte visual da obra, não apenas como motivação recreativa, mas, principalmente, como recurso técnico de aprendizagem.
Trecho da Apresentação do Dicionário
As ilustrações – cerca de 600 – ficaram
a cargo de Reinaldo Waisman, que
levou para os dois volumes em que o
dicionário foi dividido, o mesmo traço que os baixinhos conheciam no cenário do Xou ou de outros itens da loira.
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O traço inconfundível de Waisman. Quem assistia ao Xou da Xuxa conhece... |
Foram selecionadas as palavras –
aproximadamente 1.600 – mais adequadas ao vocabulário infantil e, além de seu significado, foram incluídas
informações sobre aumentativo,
diminutivo, coletivos e feminino/masculino.
Também estavam presentes sua tradução
para o inglês e o francês e sua pronúncia fonética. Uma obra para ninguém achar defeito. (E como não acharam, inventaram...)
As ilustrações muitas vezes traziam um aprendizado implícito (não mencionado no verbete em questão) ou uma referência clara ao que Xuxa sempre defendeu em seus programas.
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Outras ilustrações, ainda que em número bem menor, faziam referências aos sucessos dos anos 80: bordões de He-Man e de Cascatinha (personagem de Castrinho no programa de Chico Anysio). |
Inicialmente a capa também seria
toda ilustrada, mas, por fim, decidiram reaproveitar uma foto de 1986 para
deixar o dicionário mais atrativo. A foto em questão é de Paulo Marcos e era do postal distribuído ao público durante o 1º ano do Xou da Xuxa, na Rede Globo.
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A capa "teste" do Dicionário, revelada meses antes do lançamento |
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A foto do postal distribuído no programa de TV se tornou a capa oficial da publicação |
As guardas (aquelas folhas que
ligam a capa dura ao miolo de um livro) também traziam – na primeira edição –
uma foto de Xuxa com as Paquitas, Dengue e Praga. Dessa vez, o registro é de André
Wanderley. No mais, somente desenhos
da loira e sua turma.
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As guardas trouxeram uma foto feita durante um dos programas Xou da Xuxa em sua 1ª temporada. Catuxa ainda não integrava as Paquitas na época da foto. |
Apesar do nome ser “Dicionário da
Xuxa”, o mais correto seria “Dicionário da Turma da Xuxa”, pois toda a trupe
tem igual destaque na publicação. Lá estão as Paquitas, Praga, Dengue, Moderninho... Até
mesmo personagens “musicais” como o Cavalo
Frank e o Sapinho de “Croc Croc” tiveram seu momento.
Entretanto alguns personagens do universo infantil, não necessariamente da turma da Xuxa, também aparecem no dicionário, o que se torna um diferencial. Temos verbetes para a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, Carlitos, Ali Babá, Tia Nastácia...
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Dos personagens tradicionais aos que tiveram poucas aparições, toda a Turma da Xuxa estava no dicionário |
Entretanto alguns personagens do universo infantil, não necessariamente da turma da Xuxa, também aparecem no dicionário, o que se torna um diferencial. Temos verbetes para a Branca de Neve, Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, Carlitos, Ali Babá, Tia Nastácia...
Quem imaginaria que uma
brincadeira de Xuxa em seu programa afetaria o Dicionário tão diretamente? A língua do X acabou prejudicando a venda
do produto. A ideia de colocar o X em algumas palavras e até no nome do
programa infantil fez nascer um boato de
que o dicionário iria ensinar as palavras de forma errada. Lembrando que,
mesmo com 1 ano de programa, a polêmica envolvendo o “xou” ainda existia: para
quem não sabe, Xuxa recebeu críticas pelo título do programa ser com X (ressaltamos
que isso não foi ideia dela e sim de José Bonifácio Sobrinho, o Boni, e que
“xou” não se referia a “show” e sim a “sou” de “Eu sou da Xuxa”, mas isso é
outra história...).
O que acabou dando certa força aos boatos foi a capa mostrar Moderninho substituindo a letra “C” de Dicionário pelo “X”. Só restava à Xuxa explicar a brincadeira da capa e frisar que tudo era escrito como devia ser:
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X só para Xuxa mesmo e o que é devido; nenhum trocadilho sequer |
O que acabou dando certa força aos boatos foi a capa mostrar Moderninho substituindo a letra “C” de Dicionário pelo “X”. Só restava à Xuxa explicar a brincadeira da capa e frisar que tudo era escrito como devia ser:
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Mesmo com as ressalvas de Xuxa, muitas publicações ainda se referiam ao livro como "DiXionário", alimentando o boato de que as palavras eram escritas de forma errada, ou melhor, na "Língua do X" |
Anos depois, no final de 1990, Xuxa relembrou o fato, demonstrando indignação com a forma com que as pessoas teimavam em questionar seu profissionalismo, mesmo sem conhecê-la:
“Ainda acho que há muita gente me
criticando. Pessoas que gostariam de estar no meu lugar e não aceitam o fato de
não ter o que tenho, mas eu estou trabalhando muito – e não há ninguém que
possa dizer que eu não seja profissional. Até
hoje falam do Dicionário da Xuxa, que eu quis reinventar a língua portuguesa.
Falam, criticam e não tiveram sequer a capacidade de ler uma única página. Está
lá: o X no lugar do X. Agora há um padre no Paraná dizendo que estou
mudando a gramática, colocando a "língua do X" nas músicas, Não tem uma música
que eu faça a língua do X. Mas ainda vou fazer, ele me deu uma boa ideia. Em
criança, todo mundo brincou na "língua do Pê" e, até onde eu saiba, a língua
portuguesa não mudou por causa disso.”
Revista FAMA – novembro/1990
Cerca de 6 meses depois do
lançamento, o dicionário ainda rendia polêmica, mas dessa vez nada tinha a
ver com a suposta língua do X. Em Londrina/PR, a Câmara dos Vereadores aprovou
o pedido de suspensão da comercialização do Dicionário na cidade. Tudo porque o
vereador autor do requerimento entendeu que o Dicionário continha expressões ofensivas. A Câmara pretendia formalizar o pedido em território nacional,
acionando o Presidente da República. Óbvio que isso não foi pra frente e o
Dicionário continuou sendo vendido normalmente. As tais expressões eram “Caipira é
a mãe!”, “põe o bumbum pra cá, põe o bumbum pra lá” (na verdade um trecho de
“Banda da Xuxa”, música lançada no disco Xegundo Xou da Xuxa) e “estranho é a
vovozinha”.
Como se tais expressões fossem criadas por Xuxa e ditas só por ela... Alguém tomou alguma providência em relação a programas de TV e outras publicações que usavam as mesmas expressões?
A EBS podia ter aproveitado o ocorrido e incluído um novo verbete na publicação: "Mimimi (substantivo): aquilo que as pessoas fazem quando não têm nada melhor para fazer da vida".
Como se tais expressões fossem criadas por Xuxa e ditas só por ela... Alguém tomou alguma providência em relação a programas de TV e outras publicações que usavam as mesmas expressões?
A EBS podia ter aproveitado o ocorrido e incluído um novo verbete na publicação: "Mimimi (substantivo): aquilo que as pessoas fazem quando não têm nada melhor para fazer da vida".
Em 14/08/1987, Xuxa foi até Brasília, subiu a rampa do
Palácio do Planalto e entregou um exemplar ao então presidente José Sarney.
A Rainha foi lá para falar de uma campanha contra as drogas, mas aproveitou para
mostrar que também queria contribuir com a formação de seus baixinhos.
Um mês depois, Xuxa participou da III Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, onde lançou o Dicionário oficialmente e autografou alguns exemplares durante a exposição. Era uma segunda-feira, mas isso não impediu que a presença da loira causasse o já rotineiro tumulto, tal e qual no Palácio do Planalto.
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É de se admirar que não tenham escrito algo como "Xuxa leva seu Dixionário para o Xarney" |
Um mês depois, Xuxa participou da III Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro, onde lançou o Dicionário oficialmente e autografou alguns exemplares durante a exposição. Era uma segunda-feira, mas isso não impediu que a presença da loira causasse o já rotineiro tumulto, tal e qual no Palácio do Planalto.
A tiragem inicial foi de 10.000 exemplares e o preço era cerca
de Cz$1980,00 – o equivalente a R$280,00
hoje. Ficou espantado com o preço? É... muito diferente do que vemos por aí, mas
lembre-se que é necessário você se situar numa época em que ter livros era algo para quem tinha um
melhor poder aquisitivo. Quem se lembra do status de se ter uma Enciclopédia Barsa em casa?
Além do oferecimento direto ao consumidor, a Editora tinha outra estratégia: aproveitar a Lei Sarney para estimular os empresários a comprarem lotes de suas publicações. Explicando: a lei em questão (7.505/86) foi uma das pioneiras no incentivo à cultura e permitia abater do Imposto de Renda doações (100%), patrocínios (80%) e investimentos (50%) em cultura.
Mesmo com toda a polêmica e o preço alto, o Dicionário vendeu a ponto de ter uma segunda edição com pequenas alterações: a guarda das capas passou a ser branca, eliminando-se a foto de Xuxa com sua turma.
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A segunda edição saiu sem a foto interna, embora na parte dos créditos da publicação ainda aparecesse o nome de André Wanderley como fotógrafo responsável pela foto da "guarda" |
Para compensar a ausência da foto interna, o livro ganhou brindes: um pôster e um postal.
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Sem foto interna, mas com pôster e postal (e o pôster ainda ganhou um autógrafo impresso) |
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O postal trazia no verso a mesma mensagem de abertura do livro com a letra da Xuxa. |
Entretanto, o mais curioso ficou por conta da alteração do item mais polêmico: o X. Na mão do Moderninho agora está um coração e não se fala mais nisso!
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Não tem X, mas tem coração... (E o X ficou marcado onde mesmo?) |
O jeito de vender também ganhou um reforço: representantes da editora visitavam as escolas para vender os exemplares diretamente aos alunos. Se você tem entre 30-35 anos provavelmente vai lembrar que isso era uma prática comum.
Em 1989, anúncios ainda eram veiculados nos jornais, agora com o preço no dinheiro "novo": NCz$20,00 (vinte cruzados novos). Embora anunciassem como o "maior barato", o preço não abaixou tanto mesmo depois de quase 2 anos: do equivalente a R$280,00 para R$233,00 hoje.
Houve ainda uma "edição econômica" de encadernação brochura, a popular capa mole. Foi uma alternativa encontrada para diminuir um pouco o preço do produto. O conteúdo não sofreu alteração e, obviamente, não traz a foto das guardas.
Outro ponto prova que, mesmo com
a polêmica, o Dicionário deu certo: seu lançamento
na Argentina no ano de 1992. A diferença é que lá não houve problema algum
com a tal história da língua do X, pois a pronúncia do idioma não dá margem aos trocadilhos (“Xis”
se pronuncia “equis”).
Claro que tudo foi revisado,
traduzido e adaptado pela editora EBS. Foram acrescidas as letras que à época não faziam parte do nosso alfabeto
oficial: K, W e Y. O mesmo também aconteceu com as letras exclusivas do alfabeto espanhol: CH, LL e o Ñ.
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Diccionario de Xuxa: Artes exclusivas para as letras do alfabeto espanhol Desde 2010, CH e LL não são mais consideradas letras independentes do alfabeto em espanhol; o “eñe” permanece. |
Os acréscimos aumentaram um volume ao dicionário:
dois para o Brasil, três para a Argentina.
Na parte das ilustrações, nota-se
que a maioria das imagens com Xuxa foi
suprimida, provavelmente pelo traço do anos 80 não ser familiar ao público
argentino.
Claro que a figura de Xuxa não poderia ficar de fora, a solução foi recriar as "capas" das letras com o traço dos anos 90, também de Waisman.
A falta de familiaridade também afetou outros personagens: Draguxa e Frank eram desconhecidos na Argentina, assim como Moderninho e Praga, embora esses dois ainda aparecessem um pouco, mas sem a mesma importância. Não há ilustração inédita na parte dos verbetes.
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A retirada do desenho de Xuxa fez com que a maioria das ilustrações perdessem um pouco do sentido |
Claro que a figura de Xuxa não poderia ficar de fora, a solução foi recriar as "capas" das letras com o traço dos anos 90, também de Waisman.
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Novas capas para nuestros hermanos |
A falta de familiaridade também afetou outros personagens: Draguxa e Frank eram desconhecidos na Argentina, assim como Moderninho e Praga, embora esses dois ainda aparecessem um pouco, mas sem a mesma importância. Não há ilustração inédita na parte dos verbetes.
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D de Draguxa? Não... D de Xuxo! Como explicar quem era a Draguxa para o público argentino? A solução foi substituí-la por personagens mais conhecidos |
Algumas expressões brasileiras também deixaram de fazer sentido e os
desenhos precisaram ser adaptados.
A capa também mudou, desta vez aproveitaram uma das fotos que Xuxa havia feito para a publicidade de seu cinto lançado em 1991.
As guardas não trouxeram fotos e sim uma montagem com todas as “capas” das letras. O recadinho de Xuxa foi traduzido, mas sua apresentação ficou aquém do que foi feito no Brasil. Colocaram uma letra cursiva (horrorosa), teoricamente simbolizando a letra de Xuxa. Não funcionou mesmo!
Outro escorregada foi manter os créditos das fotos do Brasil, sendo que nem existia foto na guarda da edição argentina (e sim uma colagem com todas as "capas" das letras). Falando em manter coisas do Brasil, uma novidade foi a inclusão do idioma português na parte das traduções, fazendo com que a edição de lá se tornasse mais completa que a brasileira que só contava com 2 idiomas.
A capa também mudou, desta vez aproveitaram uma das fotos que Xuxa havia feito para a publicidade de seu cinto lançado em 1991.
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Reutilizar \e-u\v. 1.t.d. utilizar de novo 2.t.d. imprimir novo uso a... |
As guardas não trouxeram fotos e sim uma montagem com todas as “capas” das letras. O recadinho de Xuxa foi traduzido, mas sua apresentação ficou aquém do que foi feito no Brasil. Colocaram uma letra cursiva (horrorosa), teoricamente simbolizando a letra de Xuxa. Não funcionou mesmo!
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E esse "para" que mais parece "pura"? |
Outro escorregada foi manter os créditos das fotos do Brasil, sendo que nem existia foto na guarda da edição argentina (e sim uma colagem com todas as "capas" das letras). Falando em manter coisas do Brasil, uma novidade foi a inclusão do idioma português na parte das traduções, fazendo com que a edição de lá se tornasse mais completa que a brasileira que só contava com 2 idiomas.
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Apesar de conter informação desnecessária sobre os fotógrafos da edição brasileira, os créditos da edição argentina incluíam o tradutor, Juan Carlos Freire, e a data de impressão (janeiro de 1992) |
Na Argentina, a principal divulgação era no Show de Xuxa (Telefe). Durante os primeiros programas da temporada de 1992, Xuxa fazia o merchandising do "Diccionario", que consistia na escolha de uma palavra aleatoriamente, que ela lia e depois pedia à plateia que aprendesse a pronúncia nos outros idiomas. Rendeu momentos divertidos, veja:
Não tem jeito, quando nos lembramos que já se passaram 30 anos do lançamento de mais um item da loira, a palavra que vem quase instantaneamente é SAUDADE. E parece não haver outra melhor; afinal a matéria é sobre o Dicionário e só em dicionários brasileiros existe tal palavra...
Se bem que podemos também usar a palavra "orgulho". Dá orgulho ver que Xuxa quis, sim, fazer a diferença, quis oferecer o melhor e ela o fez. O Dicionário Ilustrado é uma obra e tanto para crianças em idade escolar e, se você hoje chega nas livrarias para comprar o "Aurelinho" ou o "Dicionário Ilustrado da Turma da Mônica" para seus filhos ou irmãozinhos, lembre-se que Xuxa não inventou os produtos para criança, mas ela certamente abriu caminho para que eles fossem cada vez melhores...