Jornal: Jornal do Brasil
Data: 14/10/1996
Autor: Danuza Leão
Tô de bem com a vida - que bom saber disso, Xuxa; mas que podia estar melhor ainda, lá isso podia.
Há uns tempos que você entrou na lista das personalidades do show business mundial que mais haviam ganho dinheiro naquele ano - seriam US$ 36 milhões? 50? 70? Fazendo as contas por baixo: 36, que, aplicados, dariam - também por baixo - US$ 3,6 milhões por ano, isto é, 300 mil por mês, sem precisar levantar um dedo, e sem se preocupar nunca mais com o futuro. São 10.000 por dia, e, por mais esforço que você faça, dificilmente chegará ao fim do mês tendo que usar o cheque especial. Se tivesse coragem de dar uma parada, descobriria que existem no mundo muitas, mas muitas outras coisas bem melhores que os estúdios de televisão - coragem, menina.
Você é tão loura e tão linda, que dá dó ouvir, mais uma vez, que já marcou a data em que pretende ficar grávida - data esta que deve coincidir com o final de algum contrato, claro. A data iá foi adiada, adiada, e é triste ouvir - do sonho de consumo de quase todos os homens - que pretende fazer uma inseminação artificial para ter um filho. Acorda, menina, antes que seja tarde.
A imprensa noticiou quando você passou uns dias no Caribe com Ayrton Senna e foi jantar com John Kennedy em Nova Iorque. Belas e invejáveis companhias, é verdade, mas a maneira como esses encontros devem ter acontecido - acertados pelos devidos assessores de imprensa - é quase insultuosa, e você não precisa disso; mas como uma pessoa que não pode ir a lugar algum vai arranjar um namorado?
Se eu fosse você, Xuxa, virava a mesa. O mundo inteiro - seu pequeno mundo - vai estar contra, mas vale a pena tentar.
Comece do começo: telefone para uma livraria, peça a coleção de Monteiro Lobato e aprenda a pensar com sua própria cabeça; no começo dá trabalho, mas vale a pena. Uma hora qualquer, quando você perceber que belos anos da sua vida já se foram, ai não vai ter mais volta.
Seja rápida: o tempo urge. Compre uma peruca preta, uma passagem - classe executiva - em uma companhia estrangeira qualquer, dessas em que só viajam suíços e suecos, vá para uma pequena cidade no interior da Inglaterra em que não tenha um só brasileiro num raio de 100 quilômetros. Se matricule num colégio e aprenda não só a falar inglês, como também a fazer um cheque, saber o preço de uma Coca-Cola e ter amigos sendo apenas o que é, não por ser famosa. E a namorar, não é Xuxa?
Foi inquietante ligar a televisão numa dessas manhãs de sábado e ver você com meia máscara branca cobrindo o rosto; não seria mais interessante, aos 33 anos, vestir um lindo vestido preto, calçar uns sapatos de salto alto e ir tomar um uísque com um homem? Desculpe dizer, mas você já fez mais sucesso, e no momento parece nem saber a que público se dirigir. Às crianças, não dá mais, adolescentes não ficam diante da televisão, e os adultos estão vivendo a vida real - e você, para onde está indo?
Se não tiver forcas para romper com o chamado esquema - e o seu deve ser pesado -, fuja. Um dia desses, quando estiver em Buenos Aires gravando mais um programa - para continuar reinando junto a seu público latino-americano -, finja que vai à farmácia e se mande. O máximo que vai acontecer é ser processada por quebra de contrato - nada que um bom cheque não resolva.
Mas você não deve ter acesso nem a seu próprio passaporte; como vai fazer para pagar a passagem para a liberdade? É possível que a dona de tantos milhões não tenha direito a um talão de cheques ou a um cartão de crédito, coitadinha.
Está na hora de dar um tempo; fazer um comercial para encher ainda mais o cofrinho é ótimo, mas o de creme contra celulite - bem, ai você exagerou.
Desculpe, Xuxa, mas ninguém me contou; eu vi.
Data: 14/10/1996
Autor: Danuza Leão

Há uns tempos que você entrou na lista das personalidades do show business mundial que mais haviam ganho dinheiro naquele ano - seriam US$ 36 milhões? 50? 70? Fazendo as contas por baixo: 36, que, aplicados, dariam - também por baixo - US$ 3,6 milhões por ano, isto é, 300 mil por mês, sem precisar levantar um dedo, e sem se preocupar nunca mais com o futuro. São 10.000 por dia, e, por mais esforço que você faça, dificilmente chegará ao fim do mês tendo que usar o cheque especial. Se tivesse coragem de dar uma parada, descobriria que existem no mundo muitas, mas muitas outras coisas bem melhores que os estúdios de televisão - coragem, menina.
Você é tão loura e tão linda, que dá dó ouvir, mais uma vez, que já marcou a data em que pretende ficar grávida - data esta que deve coincidir com o final de algum contrato, claro. A data iá foi adiada, adiada, e é triste ouvir - do sonho de consumo de quase todos os homens - que pretende fazer uma inseminação artificial para ter um filho. Acorda, menina, antes que seja tarde.
A imprensa noticiou quando você passou uns dias no Caribe com Ayrton Senna e foi jantar com John Kennedy em Nova Iorque. Belas e invejáveis companhias, é verdade, mas a maneira como esses encontros devem ter acontecido - acertados pelos devidos assessores de imprensa - é quase insultuosa, e você não precisa disso; mas como uma pessoa que não pode ir a lugar algum vai arranjar um namorado?
Se eu fosse você, Xuxa, virava a mesa. O mundo inteiro - seu pequeno mundo - vai estar contra, mas vale a pena tentar.
Comece do começo: telefone para uma livraria, peça a coleção de Monteiro Lobato e aprenda a pensar com sua própria cabeça; no começo dá trabalho, mas vale a pena. Uma hora qualquer, quando você perceber que belos anos da sua vida já se foram, ai não vai ter mais volta.
Seja rápida: o tempo urge. Compre uma peruca preta, uma passagem - classe executiva - em uma companhia estrangeira qualquer, dessas em que só viajam suíços e suecos, vá para uma pequena cidade no interior da Inglaterra em que não tenha um só brasileiro num raio de 100 quilômetros. Se matricule num colégio e aprenda não só a falar inglês, como também a fazer um cheque, saber o preço de uma Coca-Cola e ter amigos sendo apenas o que é, não por ser famosa. E a namorar, não é Xuxa?
Foi inquietante ligar a televisão numa dessas manhãs de sábado e ver você com meia máscara branca cobrindo o rosto; não seria mais interessante, aos 33 anos, vestir um lindo vestido preto, calçar uns sapatos de salto alto e ir tomar um uísque com um homem? Desculpe dizer, mas você já fez mais sucesso, e no momento parece nem saber a que público se dirigir. Às crianças, não dá mais, adolescentes não ficam diante da televisão, e os adultos estão vivendo a vida real - e você, para onde está indo?
Se não tiver forcas para romper com o chamado esquema - e o seu deve ser pesado -, fuja. Um dia desses, quando estiver em Buenos Aires gravando mais um programa - para continuar reinando junto a seu público latino-americano -, finja que vai à farmácia e se mande. O máximo que vai acontecer é ser processada por quebra de contrato - nada que um bom cheque não resolva.
Mas você não deve ter acesso nem a seu próprio passaporte; como vai fazer para pagar a passagem para a liberdade? É possível que a dona de tantos milhões não tenha direito a um talão de cheques ou a um cartão de crédito, coitadinha.
Está na hora de dar um tempo; fazer um comercial para encher ainda mais o cofrinho é ótimo, mas o de creme contra celulite - bem, ai você exagerou.
Desculpe, Xuxa, mas ninguém me contou; eu vi.